“MEDIDA PROVISÓRIA MARCARÁ UMA NOVA FASE DA REFORMA AGRÁRIA NO PAÍS”



O Incra aguarda para os próximos dias a edição da Medida Provisória (MP) que regulamentará a titulação de lotes em assentamentos, a seleção de famílias para projetos de assentamento, a regularização de ocupações e a obtenção de terras. Para o presidente da autarquia, Leonardo Góes, a MP marcará uma nova fase da reforma agrária no país, dando “maior segurança jurídica àqueles que produzem, além de promover o acesso à terra a quem quer produzir alimentos”. Nesta entrevista, ele analisa as mudanças propostos pela MP e avalia os efeitos que o texto legal trará para a implementação do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Góes faz ainda um balanço sobre os primeiros quatro meses de sua gestão à frente da autarquia e vê perspectivas “extremamente positivas” para a reforma agrária no país.

Nos próximos dias, o presidente Michel Temer editará uma Medida Provisória com mudanças na implementação da política de reforma agrária. Qual é a sua avaliação sobre essas alterações?
LEONARDO GÓES – Em primeiro lugar, é importante destacar que toda e qualquer mudança virá com o objetivo de aprimorar os instrumentos utilizados pelo Incra na execução do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Também teremos novas ferramentas para agilizar a implementação das nossas políticas. O Governo Federal busca dar maior segurança jurídica àqueles que têm terra e produzem, além de promover o acesso à terra a quem quer produzir alimentos. Avalio que a Medida Provisória marcará uma nova fase da reforma agrária no país.

Quais os principais pontos da MP?
LG – A MP tem como foco principal quatro questões: a titulação, a seleção de famílias, a regularização das ocupações e a obtenção de terras. A ideia é dar maior agilidade ao Incra na execução das ações de reforma agrária, ampliando os resultados alcançados pela autarquia. Outro aspecto que merece ser destacado diz respeito às recomendações dos órgãos de controle no sentido de conferir maior transparência às ações do Incra e de corrigir falhas que permitam a ocorrência de irregularidades.

Percebe-se que há, por parte do Governo, ênfase na titulação. Isso representa uma mudança no direcionamento da política de reforma agrária.
LG – A titulação – e a consequente posse definitiva do lote – coloca as famílias beneficiárias da reforma agrária em um novo patamar. Elas deixam a condição de assentados e se transformam em pequenos produtores da agricultura familiar. De posse do título, passam a ter acesso a linhas de crédito mais robustas. Essa política tem potencial para elevar os níveis de desenvolvimento socioeconômico no campo.

Mas há quem aponte o risco de reconcentração fundiária.
LG – Tal risco não existe. Todo o processo de titulação está blindado por exigências que impedem a reconcentração fundiária. As medidas são simples e de fácil execução. Tivemos o cuidado de criar mecanismos que impedem a ocorrência deste fenômeno.

Já foi definida a meta para titulação?
LG – O Governo estabeleceu como meta a emissão de cerca de 750 mil títulos de propriedade até o fim de 2018. Temos um trabalho imenso pela frente. Analisando a série histórica, vemos que no período 2000/2002 foram emitidos 62.196 títulos. Entre os anos de 2003 e 2015, o número total cai para 22.729. Todas as 30 superintendências regionais estão mobilizadas para que a meta seja cumprida integralmente e no prazo.

Quando terá início a entrega dos títulos?
LG – O presidente Michel Temer fará a primeira entrega em novembro, no Mato Grosso. A cerimônia servirá como uma espécie de marco desta nova etapa da política de reforma agrária no país e também reafirmará o compromisso do Governo com o PNRA.

Com relação à seleção de famílias para ingresso no PNRA, o que mudará?
LG – A grande mudança ocorrerá com a definição de critérios objetivos para a seleção de famílias. Ao conferirmos maior transparência ao processo, atenderemos às recomendações dos órgãos de controle externo, em especial ao Tribunal de Contas da União (TCU). O Acórdão 775 apontou uma série de ajustes necessários no que se refere à seleção de famílias e verificamos a necessidade de alteração dos instrumentos legais que regem a questão. Com a MP, o candidato a um lote saberá exatamente quais são as exigências para que ele tenha direito à terra. Isso evita, por exemplo, a manipulação de listas de acampados. A sociedade terá como acompanhar e verificar a condução de todo o processo. Isso representa um grande avanço para que tenhamos uma seleção justa e dentro de parâmetros claros.

O texto da MP trata ainda de uma situação complexa: as ocupações irregulares. De que forma a Medida Provisória poderá ajudar a resolver a questão?
LG – É importante frisar que a MP não tem por objetivo beneficiar aqueles ocupantes de lotes que agiram com má-fé. Vamos regularizar, porém observando rigidamente o lapso temporal e o perfil da família ocupante. A regularização das ocupações busca, em primeiro lugar, dar tranquilidade e segurança jurídica a milhares de pessoas que trabalham na terra há muitos anos e que atendem aos requisitos necessários para integrar o PNRA. Levantamentos preliminares mostram que temos possibilidade de regularizar algo em torno de 120 mil lotes. Isso significa 120 mil famílias produzindo alimentos e sem o temor de perder a terra a qualquer momento. De forma indireta, a regularização também ajudará a impulsionar as economias locais.

Em um momento de esforço fiscal por parte do Governo, como fica a obtenção de terras para a reforma agrária?
LG – A exemplo da regularização dos lotes, esta é outra grande novidade trazida pela MP. De acordo com o novo texto legal, o Incra tem a possibilidade de efetuar o pagamento de terras em dinheiro, não apenas com Títulos da Dívida Agrária (TDAs). Isso representa um imenso avanço em termos da sofisticação dos instrumentos de obtenção, dando maior agilidade à autarquia e atendendo a uma antiga reivindicação daqueles que trabalham com a reforma agrária. Com isso, o Incra poderá adquirir áreas de melhor qualidade, com redução de custos. Também evitaremos a judicialização de processos de compra de imóveis, ampliando a nossa capacidade de solucionar conflitos no campo.

Na sua opinião, em que medida o conjunto de regras estabelecidas na MP beneficiará o Incra e os assentados?
LG - A Medida Provisória dará ao Incra maiores condições de continuar promovendo o acesso à terra para as famílias que vivem no campo e querem produzir. Isso mostra que o Governo e a autarquia ratificam o compromisso com a implementação do PNRA, reconhecendo a importância da reforma agrária como instrumento de redução das desigualdades sociais. As mudanças permitirão ao Incra, por exemplo, maior capacidade para garantir infraestrutura básica aos projetos de assentamento que ainda enfrentam problemas como falta de estradas, de moradias e de saneamento básico.

Ainda que não seja uma questão abordada pela Medida Provisória, os assentados temem que, nesta nova fase, o Incra coloque em segundo plano as ações de assistência técnica. Esse temor tem fundamento?
LG – Garanto que isso não procede. O Incra tem o compromisso de manter e qualificar a assistência técnica prestada aos beneficiários do PNRA. Já estamos trabalhando neste sentido. Queremos investir na melhoria da formação profissional do corpo técnico da autarquia. Cito como exemplo o termo de cooperação que vamos estabelecer com a Universidade de Juen, na Espanha, para a capacitação de peritos e agrimensores em ferramentas modernas de cartografia e georreferenciamento. Em um primeiro momento, tivemos que solucionar o problema dos atrasos de pagamento dos contratos com as prestadoras de assistência técnica, um passivo que chegava próximo aos R$ 70 milhões. Arrumamos a casa e agora temos condições de executar a política de assistência técnica de forma planejada e eficiente.

Sua gestão tem pouco mais de quatro meses. O que houve de avanço em termos de reforma agrária neste período?
LG – Em um primeiro momento, o Incra precisou voltar-se para dentro, arrumar a casa e criar as condições necessárias para implementar de forma efetiva a política de reforma agrária. Como já citei, a equalização do passivo dos contratos de assistência técnica foi um ponto importante. No entanto, destaco ainda o pagamento das dívidas com despesas administrativas da sede e das superintendências regionais, além da eliminação dos atrasos nos pagamentos às empresas terceirizadas. Isso deu à autarquia condições para que pudesse atuar. Um outro campo de ação, que eu chamo de externo, dou como exemplo a interlocução com o TCU. O tribunal foi extremamente receptivo ao Plano de Providências apresentado pelo instituto e suspendeu por 120 dias o bloqueio de aproximadamente 400 mil famílias da reforma agrária que estavam impedidas de acessar crédito e receber assistência. Também abrimos outras frentes de atuação no campo externo.

Que frentes são essas?
LG – Estamos em fase de conclusão de um processo de captação de emendas parlamentares que direcionam recursos para a reforma agrária. Esse trabalho tem potencial para gerar um volume de recursos jamais alcançado na história do Incra. A ideia foi sensibilizar deputados e senadores para a importância de apresentar emendas que possam reforçar a atuação do Incra. O resultado foi excelente.

Pelo quadro que se apresenta, as perspectivas são positivas para a reforma agrária no país.
LG – São extremamente positivas, eu diria. Temos a oportunidade de, a partir do novo normativo legal, avançar muito e trabalhar de forma mais ágil. O processo de titulação marca o início de uma fase promissora em termos da implementação de ações voltadas para a reforma agrária. O Governo já deu mostras de que esta é uma área estratégica para o desenvolvimento e a retomada do crescimento econômico. Cabe ao Incra aproveitar essa valiosa oportunidade.




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