sábado, 28 de janeiro de 2017

DEPOIS DE ANOS SEM VER O PAI, ELA O ENCONTROU AO SER VOLUNTÁRIA EM UMA AÇÃO NA CRACOLÂNDIA. A HISTÓRIA DA PRODUTORA CULTURAL MYLENA GARBIN MOSTRA COMO O AMOR ENTRE PAI E FILHA PODE TRANSPOR MUITAS DIFICULDADES. NASCIDA NO CENTRO DE SÃO PAULO, ELA SE MUDOU PARA A ZONA SUL DA CIDADE AINDA CRIANÇA E PERDEU O CONTATO COM O PAI*. DEPOIS DE OITO ANOS SEM NOTÍCIAS, DESCOBRIU QUE ELE VIVIA NA CRACOLÂNDIA. COMO OS PAIS ERAM SEPARADOS, ELA DIZ QUE SUA MÃE SEMPRE ACREDITOU QUE, SE ELE NÃO A PROCURAVA, ERA PORQUE NÃO TINHA INTERESSE EM SABER SOBRE A FILHA. QUANDO LIGAVA PARA A EX-MADRASTA, A RESPOSTA NÃO ERA MELHOR E MYLENA NUNCA RECEBIA O APOIO NECESSÁRIO PARA BUSCAR O PAI. MAS QUANDO FEZ 18 ANOS, ELA DECIDIU QUE ERA SUA CHANCE DE IR ATRÁS DELE. BATEMOS UM PAPO COM A ELA ATRAVÉS DO FACEBOOK PARA SABER COMO FOI ESSA BUSCA E O REENCONTRO ENTRE OS DOIS.

A história da produtora cultural Mylena Garbin mostra como o amor entre pai e filha pode transpor muitas dificuldades. Nascida no Centro de São Paulo, ela se mudou para a Zona Sul da cidade ainda criança e perdeu o contato com o pai*. Depois de oito anos sem notícias, descobriu que ele vivia na Cracolândia.

Como os pais eram separados, ela diz que sua mãe sempre acreditou que, se ele não a procurava, era porque não tinha interesse em saber sobre a filha. Quando ligava para a ex-madrasta, a resposta não era melhor e Mylena nunca recebia o apoio necessário para buscar o pai. Mas quando fez 18 anos, ela decidiu que era sua chance de ir atrás dele. Batemos um papo com a ela através do Facebook para saber como foi essa busca e o reencontro entre os dois.

“Quando eu completei 18 anos, eu resolvi ir procurar ele, entender por que é que a gente nunca se falou depois de todo aquele tempo.”, contou Mylena. “A primeira vez que eu encontrei com ele já fazia oito anos que eu não via o meu pai. Foi bem difícil, porque a adolescência inteira eu fiquei sem meu pai, não tive a presença masculina.“.


“Foram dois meses procurando. Tipo, encontrei ele com 18 anos porque fui na Cracolândia com um ex-namorado meu. E, depois de dois meses procurando, eu reencontrei ele lá. Daí, depois de um ano eu não tive mais contato. Porque ele sumiu, sabe? Sumiu igual fumaça, sumiu. Eu não sabia de nada.“, conta. “Eu não sei o que aconteceu, se eu era muito nova, se eu cobrei muito dele, tipo ‘para de usar isso’. Depois de um tempo não era tão frequente que eu via ele, como eu vejo agora, ele foi se afastando cada vez mais.“.

Após mais quatro anos sem nenhum contato com o pai, Mylena decidiu se candidatar para ser voluntária na Semana da Diversidade da Beleza na Cracolândia (sobre a qual falamos aqui). “Eu fui como voluntária (não fazia parte do projeto ainda), estava ajudando as mulheres com maquiagem e cabelo, daí eu resolvi perguntar, já que o meu pai ‘estava’ no programa (pois eu não sabia se ele havia saído, não tinha notícias). Disse o apelido, ninguém conheceu. Disse o nome real, as assistentes piraram, porque todas o conhecem. Foi emocionante, porque depois de 4 anos sem saber notícias do meu pai, eu pude reencontrá-lo.“, diz.

O programa ao qual ela se refere é o De Braços Abertos, da Prefeitura de São Paulo, que cedeu o espaço para realização da ação de resgate da autoestima das mulheres da região. Apesar disso, o reencontro não aconteceu no mesmo dia. Mylena foi ao hotel em que o pai morava, mas ele não estava. Mesmo assim, ela decidiu que voltaria na semana seguinte. Alguns dias depois, a surpresa: uma das assistentes sociais que ela havia conhecido durante a ação enviou uma foto de seu pai para ela através do Facebook.


“Foi o momento mais feliz da minha vida. Pela segunda vez eu consegui encontrar o meu pai, sabe? É muita persistência, é acreditar muito. Parece às vezes que é até uma ligação cósmica, sabe? Nossa, eu sinto que ele tá vivo. Eu sinto que ele tá bem. Eu quero saber. Eu preciso ir atrás. Eu sei que ele quer falar comigo. E aí no sábado a gente se encontrou. Foi muito emocionante. Eu chorei muito. Eu chorei, chorei, chorei. Não sabia que estava grávida, eu chorava mais que tudo. E aí, desde então a gente não perdeu mais contato.“

Atualmente, ela vai visitá-lo pelo menos a cada duas semanas e liga toda semana para saber como ele está. Mylena conta que, mesmo que quisesse, seria difícil ligar todos os dias, pois o pai não tem esse vínculo de falar sempre sobre sua vida. “Mas eu ligo para ele toda semana, a gente conversa, bate um papinho e eu encontro com ele no final de semana, a gente dá um rolezinho. Por ali mesmo, né? Ele foi passar o Natal em casa. Ele ficou muito feliz, e depois de anos também sem ver minha mãe, a gente passou o Natal todo mundo junto. Foi muito legal.“


Quando o encontrou no ano passado, ele se surpreendeu ao saber que Mylena não estava na Cracolândia apenas para procurá-lo, mas fazendo uma ação social com as mulheres que viviam na região. Ela se derrete ao lembrar que o pai falou que estava muito orgulhoso de sua atitude. “É gostoso quando você ouve: porra, meu pai tem orgulho de mim! Olha que legal! Isso só dá mais força para eu continuar e para eu não desistir, porque eu sei que um dia ele vai se dar conta e falar: meu, eu não quero mais morar aqui, eu quero ir embora. E a gente tá aí, na batalha para ver se esse dia chega.“

Hoje, o pai vive em um dos hotéis na Cracolândia, mas Mylena conta que o lugar é bastante acolhedor e ela se sente em casa quando vai visitá-lo. Pedimos para que ela deixasse um recado para pessoas que estejam procurando um familiar e que, assim como ela, desconfiem que ele possa estar na Cracolândia.

“Não desistam de seus familiares, a droga é uma consequência e devemos estender as mãos para ajudar, não julgar. Todos ali são seres humanos, sentem, ouvem, olham, pensam. Não é porque se usa crack que você deixa de ser um ser pensante, às vezes a selva de pedra te deixa assim. Ter mais empatia com o próximo, se você tem um parente que é usuário de crack e não sabe onde ele possa estar, entre em contato com o projeto De Braços Abertos, quem sabe essa pessoa esteja no programa e vocês se reencontram? O que mata não é a droga, é o esquecimento que eles têm perante a sociedade, a falta de diálogo com conhecidos, falta de carinho da família.“.

*Para preservar a identidade do pai, Mylena solicitou que omitíssemos o seu nome na matéria.


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