'O rei está morto, mas não enterrado', argumenta cientista político
Davi Ribeiro - 06.jun.2014/Folhapress
O cientista político Fernando Abrucio
FERNANDA MENA
DE SÃO PAULO 25/05/2017 02h00
As cenas de depredação e conflito ocorridas durante manifestação contra o governo Michel Temer em Brasília podem recrudescer à medida que o presidente se mantenha no cargo.
A avaliação é do cientista político Fernando Abrucio, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), para quem o clima de descontentamento e desrespeito ao poder tende a aumentar à medida que "o rei está morto, mas não enterrado".
Abrucio afirma que eleições diretas tendem a criar mais instabilidade porque alongaria o período em que o país ficaria sem governo.
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Folha - Qual é a situação do governo Temer?
Fernando Abrucio - O governo, do ponto de vista da parca credibilidade que tinha, acabou. Do ponto de vista congressual, ele também não tem mais a mesma força. Portanto, por mais que ele se mantenha no cargo, seu governo está se desmilinguindo a olhos nus. Temer não tem mais condições de governabilidade. O que a classe política discute agora é como será feita a transição, com qual método e quais pessoas. O rei está morto, mas não enterrado.
Por que ele não renuncia?
Ele está respondendo a um grupo político, do qual fazem parte [o ministro da Casa Civil, Eliseu] Padilha e [o ministro da Secretaria-Geral da Presidência] Moreira Franco, que cairiam junto com ele e ficariam no sereno. Não acredito que um novo governo indireto os mantenha nos mesmos cargos porque seria desmoralizante.
Ficar no cargo significa ganhar tempo para o quê?
Temer percebeu, e foi muito inteligente politicamente nisso, que a renúncia é uma confissão de culpa e que o tempo pode impactar nas investigações de que é alvo. Ele e seu grupo têm muitos anos de experiência no poder. São profissionais do campo político, no sentido neutro da palavra, e vão reagir ao máximo em busca de uma saída honrosa.
E qual é a saída honrosa?
Sair pelo julgamento do TSE, que pode cassar a chapa Dilma-Temer no dia 6. Se Temer cair lá, ele pode recorrer ao Supremo. Mas o STF deve tomar uma decisão muito rápida porque o presidente, depois de cair no TSE, já não é mais presidente. Ainda assim, até lá, as investigações contra ele na Procuradoria-Geral da República podem desinflar um pouco, e o que resta de sua base congressista pode tentar construir algumas estratégias.
Quais as consequências para o país de ele continuar?
A bola de neve vai ficar maior a cada dia. Amanhã a bolsa vai estar pior, o dólar vai subir mais, e o Congresso, que já é impopular, vai ficar mais instável. Mas há ainda uma consequência mais grave que a econômica: a crescente descrença no sistema político. Quanto mais tempo ele ficar, haverá mais desrespeito à ordem pública porque aumenta o clima de descontentamento.
Por quê?
Quando o próprio presidente desrespeita a liturgia do cargo, a tendência é que haja certo desrespeito ao poder, como se viu em Brasília. Mesmo que as gravações tenham trechos inconclusivos, num contexto de alto desemprego e crise econômica, você tem uma mala com R$ 500 mil.
No melhor cenário, 2 milhões de pessoas tomam a avenida Paulista e pedem "Fora Temer". No pior, elas acham que o poder público não precisa ser respeitado, colocam fogo nos ministérios.
A violência é sempre condenável, mas numa crise o superego social se reduz e fica mais fácil desobedecer à ordem num contexto em que o presidente é apresentado todo dia no Jornal Nacional como alguém que cometeu crime de responsabilidade.
O que acontece se Temer sair?
Acho que o melhor seria seguir a Constituição e fazer eleição indireta. Uma das razões pelas quais não apoio a eleição direta é que me parece um passo para a instabilidade. Precisamos de voto, mas fazer isso sem eleições gerais, deixando o país nas mãos do Rodrigo Maia [presidente da Câmara] durante os meses de campanha não funciona.
Ele não tem capacidade nem experiência política pra fazer essa transição. O país aguenta ficar meses sem governo? Se não fizermos uma travessia correta até 2018 vamos afundar mais e mais.
Um presidente eleito pelo atual Congresso, impopular, não é ruim?
É melhor termos um mandato tampão que prepare eleições com quatro ou cinco meses de campanha e de debate do que fazer eleições diretas correndo, sem tempo nem debate, e ficarmos com o mesmo Congresso.
Não serão feitas amplas mudanças por esse atual Congresso, que não é ilegítimo, mas está afundado em denúncias, nem por Janot nem por Sergio Moro.
Nas próximas eleições, PT, PSDB e PMDB vão ter de se reestruturar totalmente. O PT precisa de uma reformulação para além do Lula. O PSDB tem de ir além do [João] Doria, que pode atropelar o partido. E o PMDB, bom... Aí já não se sabe. Mas temos de compatibilizar legitimidade e estabilidade para termos boas eleições com amplo debate sobre a reconstrução do sistema político.
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