Monitor da Violência: seis meses depois, apenas um caso de assassinato de mulher foi julgado
Novo levantamento feito pelo G1 mostra que só 1 dos 126 casos de mortes violentas de mulheres de 21 a 27 de agosto no país foi a julgamento; outros 32 viraram processo. Quase a metade (54) continua com investigações em andamento. G1 fez programa ao vivo para debater a violência contra a mulher.
Por Clara Velasco, Gabriela Caesar e Thiago Reis, G1
08/03/2018 04h30 Atualizado 08/03/2018 19h44
Mulheres mortas de forma violenta no país (Foto: G1)
Seis meses depois, apenas um caso de mulher morta de forma violenta de 21 a 27 de agosto do ano passado no Brasil foi a julgamento. É o que mostra um novo levantamento feito pelo G1 tendo como base as 126 mortes de mulheres registradas durante uma semana no país.
Do total de casos de mulheres mortas, 32 (ou seja, 1/4) viraram processos na Justiça, com os acusados respondendo pelo crime. Quase a metade (54), porém, ainda está com a investigação em andamento.
O G1 publica nesta quarta e nesta quinta-feira um material especial sobre violência contra a mulher dentro do Monitor da Violência, uma parceria do portal com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Neste projeto do Monitor da Violência foram registrados todos os casos de homicídio, latrocínio, feminicídio, morte por intervenção policial e suicídio ocorridos de 21 a 27 de agosto no Brasil. Ao todo, foram contabilizadas 1.195 vítimas (destas, 1.069 são homens).
Mais de 230 jornalistas espalhados pelo país apuraram e escreveram as histórias das vítimas. Agora, acompanham o andamento dos casos de mulheres.
ANÁLISE DO NEV-USP: Pesquisadoras dizem que investigação lenta e falta de prioridade levam a subnotificação de feminicídios
PROGRAMA AO VIVO: Especialistas reagem a comentários de leitores
METODOLOGIA: Monitor da Violência
O novo levantamento revela que:
apenas 1 dos casos com uma vítima mulher foi a julgamento
1/4 dos casos virou processo na Justiça: 32
54 casos ainda estão em andamento, sob investigação da polícia, o que representa 43% do total
em 47 casos, a autoria ainda é desconhecida ou não informada
após as investigações, os casos de feminicídio pularam de 9 para 21
houve prisões em 34 dos casos
25 casos foram considerados suicídios
Para Giane Silvestre e Ariadne Natal, pesquisadoras do NEV-USP, nas mortes de autoria desconhecida (quando não há flagrante, testemunhas ou evidências óbvias), o ritmo lento das investigações e a falta de prioridade dificultam a elucidação dos crimes.
Entre os casos de repercussão concluídos está o de Gabriela Silva de Jesus, de 24 anos, no Espírito Santo. As investigações apontaram que, em 24 de agosto de 2017, a advogada foi assassinada pelo ex-noivo Rogério Costa e pelo motorista Alexandre Santos de Souza, amigo do ex.
A perícia identificou que a vítima tinha marcas de estrangulamento e havia sido morta por asfixia. A dupla ainda forjou um atropelamento e, em seguida, fugiu. Os parentes de Gabriela contaram que Rogério tinha um comportamento possessivo e que suas atitudes despertavam preocupação da família.
"Ela já tinha virado a página, não tinha mais contato com ele. Ele passou a ir à igreja, mas sabíamos que era uma farsa para se aproximar. O namoro deles teve muitas idas e vindas, era conturbado, a gente sabia que ele podia fazer alguma coisa a qualquer momento", relatou um parente que não quis se identificar, na época em que o crime aconteceu.
Em setembro de 2017, a polícia conseguiu um vídeo que mostra o momento em que Gabriela é abordada pelo ex-noivo e pelo amigo dele. A advogada caminhava em direção a um ponto de ônibus. O inquérito foi concluído naquele mês. Os dois suspeitos foram presos em flagrante e viraram réus no processo, mas ainda não foram julgados.
Segredo de Justiça
Dentre as 126 mortes de mulheres, há um caso que tramita em segredo de Justiça. É o de Camila Maria de Moura, assassinada com golpes de faca nas costas. O crime ocorreu em São Lourenço da Mata, no Grande Recife, e foi enquadrado como homicídio com a qualificadora feminicídio.
Camila era uma adolescente de 16 anos e estava grávida de dois meses. O suspeito do crime tinha 15 anos e era um ex-namorado da irmã de Camila. Ele tinha envolvimento com drogas, segundo a polícia. O suspeito foi detido em flagrante e está em uma unidade da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase).
O delegado Victor Leite, de Pernambuco, diz que, para identificar se a mulher foi vítima de feminicídio, a equipe precisa investigar a “vida pregressa” e descobrir o que a vítima fazia, com quem andava e onde trabalhava. Segundo ele, essas informações ajudam a identificar a “verdadeira motivação” por trás da morte.
“Com as primeiras informações da família, a gente já consegue identificar se foi feminicídio, ou seja, se a vítima morreu em decorrência de ser mulher, por acharem que a mulher era inferior. Ou se foi motivada por outra hipótese, por exemplo, se aquela mulher morreu por fazer parte de organização criminosa, ou pertencer a alguma quadrilha”, diz o delegado.
O promotor Henry Wagner Vasconcelos de Castro, de Minas Gerais, lembra que o objetivo da qualificadora é evitar que esses crimes caiam em uma “vala comum de homicídio simples”. Assim, diz o promotor, o réu não pode ser condenado a 6 anos, cumprir um ano da pena em regime semiaberto e ter a possibilidade de progressão para o regime aberto.
“Com a qualificadora, nós temos um salto da pena que, inicialmente, seria de 6 a 20 anos para 12 a 30 anos. E mais: o cumprimento dela, inicialmente, em regime fechado, inevitavelmente em regime fechado, e com possibilidade de progressão não em 1/6, mas sim em 1/5 de cumprimento”, diz Wagner.
Em seis meses do Monitor da Violência, o número de casos de feminicídio pulou de 9 para 21 após as investigações.
Um levantamento feito pelo G1, publicado nesta quarta-feira (7), mostra que 946 mulheres morreram por crimes de ódio motivados pela condição de gênero em 2017. A Lei do Feminicídio entrou em vigor há três anos e ainda enfrenta falta de padronização e transparência. Três estados informaram que não contabilizam os números de feminicídio.
Ainda em 2017, foram registrados 4.473 homicídios dolosos contra mulheres – 6,5% a mais que em 2016. Naquele ano, ocorreram 4.201 homicídios dolosos contra mulheres. Os dados do levantamento foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação.
Participaram desta etapa do projeto:
Coordenação: Athos Sampaio e Thiago Reis
Edição: Cida Alves, Clara Velasco, Débora Melo, Elida Oliveira, Felipe Grandin, Gabriela Caesar, Megui Donadoni, Ricardo Gallo e Vitor Sorano (Conteúdo), Rodrigo Cunha (Infografia) e Fabíola Glenia (Vídeo)
Produção:
Aline Nascimento e Janine Brasil (G1 AC)
Andrea Resende e Cau Rodrigues (G1 AL)
Adneison Severiano, Andrezza Lifitch e Leandro Tapajós (G1 AM)
Henrique Mendes (G1 BA)
Cinthia Freitas, Denise Hemily e Marília Cordeiro (G1 CE)
Manoela Albuquerque e Viviane Machado (G1 ES)
Sílvio Túlio e Elisângela Nascimento (G1 GO)
Rafaelle Fróes (G1 MA)
Raquel Freitas e Flávia Cristini (G1 MG)
Juliana Peixoto (G1 Grande Minas)
Zana Ferreira (G1 Vales de Minas)
Lislaine dos Anjos e Pollyana Araújo (G1 MT)
Nadyenka Castro (G1 MS)
Taymã Carneiro e Jorge Sauma (G1 PA)
André Resende, Clara Rezende e Krystine Carneiro (G1 PB)
Bruno Marinho, Marina Meireles e Pedro Alves (G1 PE)
Joalline Nascimento (G1 Caruaru e Região)
Amanda Lima e Emerson Rocha (G1 Petrolina e Região)
Carlos Rocha, Jaqueliny Siqueira e Maria Romero (G1 PI)
Leticia Paris e Aline Pavaneli (G1 PR)
Felipe Grandin e Henrique Coelho (G1 Rio)
Isabel Sodré, Renan Tolentino, Lara Gilly e Rianne Netto (G1 Sul do Rio e Costa Verde)
Ariane Marques, Franklin Vogas e Amaro Mota (G1 Serra, Lagos e Norte)
Anderson Barbosa (G1 RN)
Eliete Marques, Hosana Morais, Jeferson Carlos e Rinaldo Moreira (G1 RO)
Cátia Chagas, Daniel Favero, Janaína Lopes, Luã Hernandez e Rafaella Fraga (G1 RS)
Joana Caldas (G1 SC)
Glauco Araújo e Kleber Tomaz (G1 SP)
Mariana Bonora (G1 Bauru e Marília)
Paola Patriarca (G1 Itapetininga e Região)
Rodolfo Tiengo (G1 Ribeirão e Franca)
Marcos Lavezo e Heloísa Cassonato (G1 Rio Preto e Araçatuba)
Ana Marin e Fernando Bertolini (G1 São Carlos e Araraquara)
Carlos Dias (G1 Sorocaba e Jundiaí)
Alexandre Lopes e Andressa Barboza (G1 Santos)
Vídeo: Beatriz Souza e Eduardo Palácio
Design: Alexandre Mauro, Roberta Jaworski e Igor Estrella
MONITOR DA VIOLÊNCIA: VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
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