AÇÃO CONTRA GARIMPO ILEGAL TERIA TIDO OMISSÕES DO IBAMA E DO EXÉRCITO



Ação contra garimpo ilegal teria tido omissões do Ibama e do Exército

Javari viu aumento de invasões neste ano; Exército se recusou a apoiar ação na região e Ibama não aplicou destruição de equipamentos, segundo ação do MPF

Por Vasconcelo Quadros, da Agência Pública
access_time12 out 2019, 08h00more_horiz

Após três adiamentos e ação do MPF, Operação Korubo desmobilizou garimpo ilegal próximo ao Vale do Javari (Ibama/PF/Divulgação)

A apreensão de 60 balsas de garimpo ilegal nos rios que serpenteiam o vale do Javari e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Cujubim, no oeste do estado do Amazonas, na fronteira do Brasil com Peru e Colômbia, entre os dias 10 e 13 de setembro, é mais um capítulo da resistência do governo Jair Bolsonaro à lei que permite a destruição de equipamentos usados em garimpos ilegais.

A Agência Pública teve acesso a uma Ação Civil Pública (ACP) impetrada no fim de julho pelo Ministério Público Federal (MPF) à Justiça Federal de Tabatinga, no Amazonas, onde o Ibama, autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, figura como réu, acusado de se omitir na aplicação da Lei 9.605 e do Decreto 6.514, de 2008, que autorizam seus fiscais a destruir balsas, dragas ou qualquer veículo ou equipamento apreendidos em locais de difícil acesso, sem condições de transporte ou que implique risco aos agentes.

A operação Korubo – referência a uma das etnias do vale do Javari de contato recente – durou cinco dias e foi encerrada em 13 de setembro. Envolveu cinco meses de planejamento entre a localização das embarcações e o início da ação e causou prejuízos estimados em até R$ 30 milhões aos empresários que financiam os garimpos ilegais.

No mesmo período, entre 11 e 15 de setembro, os fiscais do Ibama incendiaram retroescavadeiras encontradas em garimpos na Terra Indígena (TI) Trincheira Bacajá, no rio Guamá, e ao longo da BR-163, no Pará. No caso da Korubo, foram empregados 60 homens das tropas de elite da Polícia Federal, Ibama e Funai.


O Comando Militar da Amazônia (CMA) chegou a participar do planejamento, mas no fim não se incorporou à operação, mesmo com a presença de tropas do Exército na região cumprindo missão de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), determinada por decreto de Bolsonaro para combater as queimadas.
Adiamentos por recusa do Exército

Um fiscal do Ibama, que pediu que seu nome não fosse revelado, disse à Pública que, ao contrário de outros momentos, o Exército tem se recusado a apoiar os órgãos de controle federal, o que resultou no adiamento da Operação Korubo.

Um documento interno, encaminhado à cúpula do Ibama por seus fiscais, relata que o Comando Militar do Norte (CMN) também se recusou, em três ocasiões, a empregar tropas do Exército nas ações do órgão no Pará, sob o argumento de que poderiam resultar em destruição de bens num momento em que estava em curso negociações com garimpeiros que naqueles dias haviam bloqueado a BR-163. Procurados pela reportagem, os comandos militares não comentaram.

Num documento de 17 de junho, em que detalha os passos do planejamento inicial da Operação Korubo, o procurador da República Valdir Monteiro de Oliveira Júnior escreveu que a Funai e o Ibama estavam contando com um helicóptero Black Hawk do Exército (aeronave com capacidade para transportar até quatro toneladas de equipamentos e 12 pessoas, utilizado para descer e retirar tropas em locais de difícil acesso) para “infiltração e exfiltração de agentes e embarcações” nos garimpos, mas desistiram depois que o CMA alegou, por questões técnicas, que apenas poderia deixar os agentes na selva.

“Após interlocução com o CMA, foi possível garantir apenas a infiltração, e, ainda assim, sem o transporte das embarcações”, registra o procurador, o que motivou, segundo ele, um novo e último planejamento da operação, dessa vez sem nenhuma presença militar.

Segundo Oliveira Júnior, em 2014 e 2017, em circunstâncias semelhantes, o Exército atuou com o Ibama para destruir balsas e dragas em garimpos ilegais no rio Jandiatuba e afluentes, no mesmo vale do Javari.

Embora os relatos da Ação Civil Pública envolvam o CMA, o alvo do MPF é o Ibama, que tem a prerrogativa de decidir em quais casos se aplica a destruição de veículos e equipamentos. Oliveira Júnior emitiu uma recomendação formal dirigida ao presidente do Ibama em Brasília, Eduardo Fortunato Bim, ao diretor de Proteção Ambiental, Olivaldi Azevedo, e ao superintendente interino da autarquia no Amazonas, Leslie Tavares, para que o órgão autorizasse seus fiscais a destruir balsas e dragas. No dia 30 de julho, diante do silêncio do órgão, o procurador entrou com a Ação Civil Pública para exigir, por ordem judicial, que a medida administrativa fosse cumprida.

No próprio governo o tema causa confusão. No dia 9 de setembro, o então superintendente do Ibama no Pará, Evandro Cunha dos Santos, nomeado dias antes pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi demitido por ter revelado, numa audiência pública em Altamira, que recebeu ordem para não destruir nada que causasse prejuízos ao patrimônio dos infratores.

Num procedimento que pode nortear futuras operações na região, o MPF pede que a Justiça Federal determine ao Ibama que se abstenha de nomear os infratores como fiéis depositários e autorize a destruição de tudo o que for encontrado em garimpos ilegais. Caso o juiz federal de Tabatinga, Bruno Hermes Leal, atenda o MPF no julgamento de mérito, a decisão pode valer para toda a região Norte, levando a pauta para os tribunais superiores.
Lei manda destruir

A operação foi deflagrada pelo menos três meses depois que o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), órgão ligado ao Ministério da Defesa, flagrou, por imagens de satélite de alta resolução, uma grande quantidade de balsas em atividade garimpeira nos rios Jutaí, Jutaizinho, Curuena, Igarapé do Lobo, Boia e Mutum, que fazem parte da RDS Cujubim.

A reserva ecológica se liga ao vale do Javari através da aldeia Jarinal, cujo acesso se dá pelo alto dos rios Jataí e Juruá e onde vivem os indígenas Kanamary e Tyohom-Dyapah – etnia de contato recente – e pelo menos outros 14 grupos de índios isolados, alguns dos quais não querem contato. Juntos, os dois territórios somam quase 11 milhões de hectares.

O alerta da Funai sobre a “situação extremamente grave urgente de garimpo ilegal” foi dado no dia 29 abril, o que motivou a integração entre os órgãos federais e resultou numa ampla reunião promovida em Manaus no dia 16 de junho, período em que a operação deveria ter sido deflagrada. A opção dos órgãos de controle, desde o início, era destruir as balsas e dragas, uma vez que os únicos acessos aos garimpos eram por ar e rios.

Nessa região de selva densa, uma viagem de barco entre a foz do rio Jutaí e a aldeia Jarinal dura ao menos dez dias. Mesmo com bases instaladas no Javari, a Funai só foi à aldeia Jarinal apenas duas vezes nos últimos sete anos.

A ação de garimpeiros na região próxima aos índios isolados não é recente, mas se acentuou desde a eleição de Bolsonaro. Uma denúncia encaminhada ao MPF por um promotor de Jutaí, anexada à ação civil, dá conta de que a movimentação aumentou a partir de novembro do ano passado, não por coincidência, logo depois da eleição, alcançando um total de 122 balsas e 90 dragas em plena atividade nos meses que antecederam a Operação Korubo.

Entidades ambientalistas e indigenistas já haviam alertado que os recados emitidos pelo governo estimulavam os invasores e inibiam os fiscais. O procurador trata a polêmica com sutileza na ação civil. “De fato, a forma como certos veículos repercutem algumas declarações de membros do governo induziu certos agentes públicos a terem receio de represália na seara correcional, mesmo nas hipóteses em que plenamente aplicável a destruição in loco”, escreve Valdir Monteiro de Oliveira Júnior.

No relatório, ele afirma que a posição do governo favorável à regulamentação dos garimpos não é um “liberou geral” aos criminosos: “O mais factível é que as manifestações do governo tenham sido no sentido de não banalizar o ato de destruição: sendo possível apreender a destruir, deve-se apreender”, diz o procurador.

Convencido, no entanto, de que a única opção era inutilizar os equipamentos, e amparado em pedido semelhante cuja liminar foi acatada pela Justiça Federal de Rondônia, em abril deste ano Oliveira Júnior queria que o juiz federal de Tabatinga, Bruno Hermes Leal, concedesse uma liminar num pedido de tutela de urgência, o que obrigaria a cúpula do Ibama a autorizar a operação de destruição, cumprindo a lei.

Como a autarquia acabou acatando a recomendação do MPF antes da abertura da ação civil, iniciada em 2 de agosto, o juiz negou por considerar prejudicada eventual ordem judicial. Mas o pleito do MPF continua tramitando.

“O que se quer é a formação de título executivo judicial consistente nas obrigações de fazer”, frisa o procurador. Ou seja, segundo ele, a possível condenação do Ibama criaria segurança jurídica e ratificaria “a atuação dos agentes ambientais no exercício do poder de polícia”, obrigando servidores a agir de acordo com a lei em situações futuras semelhantes.

Três dias depois de a Operação Korubo ter sido deflagrada, um grupo de parlamentares e representantes de garimpeiros da região amazônica foi recebido no Palácio do Planalto pelo ministro Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil, para reclamar da destruição de retroescavadeiras usadas em garimpos clandestinos à margem da BR-163, o que havia motivado o bloqueio da rodovia como protesto contra a fiscalização.

A Korubo era, segundo o fiscal do Ibama ouvido pela reportagem, a primeira operação de vulto autorizada pela cúpula do Ibama.

Entre os congressistas brasileiros, alguns apoios explícitos aos garimpeiros estão registrados em vídeos e áudios. É o caso do ex-senador Ernandes Amorim e do deputado federal José Medeiros (Pode-MT), que numa declaração em vídeo aparece ao lado de um advogado dos garimpeiros, Fernando Brandão, tratando os fiscais federais como “inimigos do governo”.

Medeiros orientou: “Eles vão tentar de tudo nos próximos dias, pode ter certeza, queimar máquinas, fazer de tudo. Se você puder, até o dia 2 [de outubro] tira o pé do acelerador, guarda essa máquina no barracão, pra evitar”, diz o parlamentar. Em seguida ele explica que o governo não tem como impedir a destruição porque os fiscais estão amparados numa lei que ele chama de “gambiarra legislativa”. No final, Medeiros diz que o grupo que apoia os garimpeiros está “firme para derrubar” a legislação.

Medeiros nega que tenha defendido ou estimulado os infratores. Ele explicou à Pública, por meio de sua assessoria, que seu objetivo é encontrar uma alternativa legal que proteja pequenos trabalhadores que buscam regularizar a atividade. O deputado diz que órgãos como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) e Ibama agem por ideologia.

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