Imagem meramente ilustrativa / Reprodução: Notícias ao Minuto.
SUPERFUNGO: QUAIS SÃO OS RISCOS DE SURTOS DE
CANDIDA AURIS NO BRASIL?
No Brasil, pesquisadores
contabilizam ao menos três surtos entre 2020 e o início deste ano.
Um
fungo perigoso, com alta mortalidade, o Candida auris, preocupa, embora ainda
seja negligenciado. A Secretaria da Saúde de Pernambuco confirmou três novos
casos de pessoas infectadas pelo superfungo no domingo, 28, mas não identificou
uma cadeia de transmissão que ligue os três pacientes. A hipótese é de
contaminação natural de cada um dos três, internados em hospitais diferentes.
No
Brasil, pesquisadores contabilizam ao menos três surtos entre 2020 e o início
deste ano. Eles alertam, porém, para a subnotificação da doença no País, em
artigo publicado em janeiro na revista científica Frontiers in Cellular
and Infection Microbiology.
O
registro de novos casos em Pernambuco pode representar um novo surto. "Já
tivemos casos no Recife anteriormente, mas até provarmos que a cepa não é a
mesma, poderíamos (pensar em um novo surto)", diz Manoel Marques
Evangelista de Oliveira, pesquisador do Laboratório de Taxonomia, Bioquímica e
Bioprospecção de Fungos do Instituto Oswaldo Cruz.
Segundo ele, a Fiocruz já está em contato com
o grupo da Universidade Federal de Pernambuco, comandado pelo professor
Reginaldo Gonçalves de Lima Neto, que atende à demanda dos hospitais.
Junto a
outras três espécies (uma do mesmo gênero, o Candida albicans, conhecida por
causar candidíase genital e "sapinho"), o Candida auris está na lista
de fungos que apresentam risco à saúde pública, segundo a Organização Mundial
da Saúde (OMS). A infecção oportunista e invasiva causada por ele atinge
principalmente pacientes imunossuprimidos (como pacientes oncológicos,
transplantados e com HIV) e acamados em hospital por longos períodos.
Conforme
a OMS, a levedura pode causar candidíase invasiva no sangue (candidaemia),
coração, sistema nervoso central, olhos, ossos e órgãos internos. A mortalidade
geral variou de 29% a 53%. "Pacientes com candidemia por C. auris
permaneceram mais tempo no hospital ou na UTI do que aqueles com candidemia
causada por outras Candida spp", diz manual da organização internacional.
Nos
Estados Unidos, um estudo descobriu que os registros de infecção passaram de
476 em 2019, para 756 em 2020, e, depois, para 1.471 em 2021. Ou seja, os casos
triplicaram em três anos. Os médicos também detectaram o fungo na pele de
milhares de outros pacientes, com risco de transmissão para outros. Eles
associam o problema à sobrecarga do sistema da saúde com a pandemia, que tirou
de foco a desinfecção de outros agentes nocivos que não fossem o novo
coronavírus.
"Precisamos
de investimentos (na pesquisa) e de ter mesmo essa política sentinela. Esse
trabalho publicado nos EUA demonstra essa necessidade de que tenhamos um
sistema sentinela operando no País para evitar esses problemas também aqui no
Brasil, de aumento de casos", diz Oliveira, que junto de outros
pesquisadores, descreveu o maior surto do fungo no Brasil, em Recife, no ano
passado.
"Outra
questão é que esses casos emergentes tem detecção muito vinculada à pesquisa. A
redução de investimento na pesquisa no País limita os estudos", acrescenta
o cientista.
Três surtos no Brasil
No artigo brasileiro, Oliveira e outros
pesquisadores contabilizam três surtos desde 2020, dois em Salvador e o maior
em Recife.
Ao Estadão,
a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou, em março, que
"o primeiro caso de Candida auris confirmado no Brasil foi identificado em
uma amostra de ponta de cateter venoso central retirado de um paciente
internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) adulto devido a
complicações da covid-19". O surto em hospital de Salvador, segundo a
agência, foi notificado em dezembro de 2020 e resultou em 15 casos confirmados.
No ano
seguinte, também em dezembro e novamente em Salvador, outro surto foi
confirmado, mas, desta vez, com apenas um caso. " Candida auris não é um
microrganismo endêmico no Brasil. A ocorrência de um único caso em serviços de
saúde já é considerado um surto", explicou a Anvisa à época. Depois disso,
não foram mais identificados novos casos nesses dois hospitais ou em outros
serviços de saúde da Bahia.
Dos 48
confirmados do ano passado, a agência destaca que a grande maioria era de
colonização, não infecção. Esse surto seguiu em monitoramento pelo hospital e
pela rede nacional de identificação de C. auris por mais alguns meses, embora o
último registro seja de setembro.
Mas
como o C. auris passou a preocupar tanto? "Era uma espécie que tinha o
perfil ambiental, sofreu adaptação com as mudanças climáticas, de uma
termotolerância (maior tolerância a variações de temperaturas). Para uma
levedura ser patogênica ao ser humano, precisa sobreviver na temperatura do
corpo humano, em torno de 37°C", diz o pesquisador da Fiocruz.
A
espécie consegue crescer em temperaturas de 37°C a 42°C, e também possui
"notável capacidade de sobreviver a condições ambientais adversas por
longos períodos", conforme o artigo brasileiro. Ela consegue se adaptar
fora do hospedeiro humano - com alta capacidade de formação de biofilme
(comunidade complexa e estruturada de células de fungos que se fixam em uma
superfície). Isso aumenta o risco de surto hospitalar, pois a colonização e a
infecção podem ter "origem ambiental", como "dispositivos
médicos contaminados e mãos de profissionais de saúde".
Além
disso, a espécie resistente à maioria dos medicamentos antifúngicos disponíveis
e, de acordo coma OMS, algumas cepas são pan-resistentes (resistentes a todos
os remédios). De 2009, quando foi registrada pela primeira vez no Japão, já se
espalhou para quase todos os continentes. Só não chegou ainda à Antártida.
Assim
como muitas doenças, a chave é o tempo, diz Evangelista de Oliveira. É preciso
impedir que se passe da colonização - quando ela está presente no corpo sem
causar infecção (vários microrganismos colonizam nossa microbiota intestinal,
por exemplo) - para a infecção, marcada por quadros febris e com possibilidade
de sequelas.
Diagnóstico e tratamento
Embora o C. auris tenha resistência
intrínseca, o tratamento das infecções é feito com equinocandinas, embora
outros antifúngicos, como os azólicos, possam ser usados, segundo a OMS. As
equinocandinas, porém, só foram incluídas na lista de remédios essenciais (EML,
na sigla em inglês) da agência em 2021, e ainda não estão disponíveis em muitos
países.
Conforme
relatam os pesquisadores brasileiros, a identificação de C. auris pode ser
"problemática, pois os procedimentos diagnósticos convencionais, como
plataformas/kits de identificação bioquímica padrão, não conseguem identificar
tal espécie".
Segundo
Evangelista de Oliveira, medidas básicas de higiene e desinfecção permitem
livrar uma unidade de saúde do fungo. Fora de hospitais, as medidas de higiene,
diz ele, como lavar mãos com água e sabão, são bastante efetivas para conter a
levedura.
FONTE: NOTÍCIAS AO MINUTO. https://novamais.com/noticias/102317/superfungo-quais-sao-os-riscos-de-surtos-de-candida-auris-no-brasil