Rio 2016 se transforma na Olimpíada mais gay da história.


© Alexander Hassenstein Marjorie Enya e a Isadora Cerullo
A Austrália tinha acabado de conquistar, na noite de segunda-feira, a primeira medalha de ouro da história do rúgbi de 7 feminino nos Jogos Olímpicos. O estádio de Deodoro já estava quase vazio. Então, uma mulher entrou no campo com um microfone na mão e dirigiu-se a uma jogadora da seleção brasileira. E foi assim que Marjorie Enya, que trabalha como voluntária na Olimpíada, pediu em casamento a sua namorada, Isadora Cerullo. Depois de ouvir o “sim”, Enya, de 28 anos, improvisou uma aliança fazendo um laço no dedo de Isadora, de 25 anos, e o beijo das duas passou a ser uma das imagens mais populares dos Jogos Olímpicos do Rio até agora.
Esta é apenas uma das mais recentes imagens dos Jogos Olímpicos com vocação para acolher o coletivo LGBTQ (lésbicas, gays, transexuais, queer). Ainda que as disputas esportivas tenham o protagonismo na Rio2016, a cada novo episódio do gênero a narrativa de respeito à inclusão se aprofunda.
O número de atletas assumidamente LGBTQ – 43 no total – é o maior da história. Um deles, o britânico Tom Daley ganhou a medalha de bronze no salto sincronizado na segunda-feira. E, pela primeira vez na história, duas atletas estão casadas: as também britânicas Kate Richardson-Walsh e Helen Richardson-Walsh. Na noite da cerimônia de abertura, cinco dos ciclistas que puxavam as delegações dos países eram transexuais, incluindo a famosa modelo Lea T, que abriu caminho para os atletas brasileiros.
Um contraste com o Brasil, sede das competições, onde a homofobia cresceu nos últimos anos. Na semana passada o time feminino de futebol dos Estados Unidos teve seu primeiro jogo, no Mineirão, em Belo Horizonte. Algumas jogadoras ouviram que o público – de pouco mais de 10 mil pessoas – gritava “bicha” nas arquibancadas. O time norte-americano tem pelos menos duas homossexuais, a meio-campista Megan Rapinoe e a treinadora, Jill Ellis.
Fora das arenas, os episódios homofóbicos se multiplicam pelo país. De acordo com o site do Grupo Gay da Bahia, um membro da comunidade LGBTQ é agredido a cada 28 horas. “Os números da violência são enormes”, afirma Antônio Kvalo, um dos fundadores do portal temlocal.com.br, onde as pessoas que já se sentiram agredidas ou ameaçadas pela sua sexualidade podem contar suas histórias. “Os relatos vão de ataques verbais até assassinatos com toques de crueldade. Especialmente contra transexuais”, lamenta. O machismo enraizado na sociedade brasileira se perpetua de muitas maneiras, segundo Kvalo.
Mas o crescimento dos casos de homofobia ultrapassa as fronteiras brasileiras e é testemunhado em outros países do continente, o que gera um efeito colateral importante. “O número de pessoas que aceitam os pedidos por direitos dos grupos LGBT está crescendo na América do Sul. Mas há uma outra tendência, dos grupos homofóbicos, que, se não estão crescendo em número, estão aumentando a intensidade de suas manifestações e, em alguns países, estão mais organizados politicamente”, observa Javier Corrales, professor de Ciência Política da Universidade de Amhrest, em Boston, especialista nos direitos gays na América do Sul. “Houve uma exposição maior (ou uma saída do armário, por assim dizer) da homofobia mais radical, que hoje em dia está mais organizada e se manifesta mais do que antes”, completa o professor.
O Brasil esteve sempre aberto à inclusão dos homossexuais em comparação com outros países vizinhos: aceitou a união civil de pessoas do mesmo sexo em 2003 e legalizou o seu casamento em 2013, seguindo o exemplo do Uruguai e da Argentina. Mas a caminhada parece ter chegado a um platô e a explicação para essa paralisia estaria no papel que o Legislativo tem exercido nos últimos tempos, acredita Corrales. “O bloco parlamentar evangélico [mais conservador] é um pouco mais da metade do que qualquer outro grupo político no Congresso”, observa. Os deputados evangélicos têm defendido projetos polêmicos e excludentes, como o Estatuto da Família – que apenas reconhece casais heterossexuais – e até já propôs a cura gay.

Por isso, o tom destas Olimpíada ganha ainda mais importância. Neste contexto, a visibilidade dos atletas assumidos tem um ganho incomensurável para o coletivo. “É a única coisa que temos para contribuir pela luta LGBTQ ”, alerta Matthew Rettenmund, autor do livro Boy Cultureque se transformou em um blog sobre as últimas notícias gays. “Se as pessoas têm amigos, família, ou, no caso dos Jogos Olímpicos, ídolos LGBT, isso pode repercutir no mundo inteiro. Há que se aplaudir a todos os que vivem sua sexualidade livremente. Nunca poderemos agradecer o suficiente a eles."
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