EM BUSCA DO PAPAGAIO NOTURNO QUE NÃO VOA E OUTRAS AVES RARAS DA NOVA ZELÂNDIA, PAÍS DO PACÍFICO É REFERÊNCIA PARA SALVAR ESPÉCIES ENDÊMICAS DE AVES E DESENVOLVEU SOLUÇÕES PARA MINIMIZAR IMPACTOS DOS ANIMAIS INVASORES.

O kiwi marrom (Apteryx mantelli) é uma das quatro espécies de kiwis. Não voa, é noturno e é o único pássaro a ter fossas nasais na ponta de seu bico. É um parente longínquo da avestruz, da ema e do extinto moa (Foto: © Haroldo Castro/ÉPOCA)












O kiwi, além de uma fruta, é a ave símbolo da Nova Zelândia. A história dos kiwis está intimamente relacionada com a evolução das ilhas que formam o país. Essas terras se separaram da Austrália e do supercontinente Gondwana há 82 milhões de anos, não trazendo consigo nenhum mamífero terrestre ou serpente.
Os pássaros de Aotearoa – nome das ilhas em linguagem nativa maori – seguiram uma trajetória evolutiva totalmente singular. O kiwi, o takahe e vários outros pássaros endêmicos à Nova Zelândia deixaram de voar há alguns milhões de anos. Sem predadores, as aves resolveram que era mais simples buscar comida apenas no solo. Os pássaros se tornaram gordos e preguiçosos e se esqueceram de suas asas.
Ao chegarem à terra virgem, os seres humanos – primeiro, os maoris há 800 anos, depois os europeus – trouxeram animais domésticos. Ratos, gatos, cachorros e gambás viraram pragas. As aves terrestres, impossibilitadas de levantar voo, passaram a ser presas fáceis. As espécies invasoras destruíram ninhos, comeram ovos, devoraram filhotes e mataram adultos. Não é raro que um cachorro doméstico ainda massacre alguns kiwis em uma só noite.
Com uma biodiversidade única e tantos desafios de conservação pela frente, a Nova Zelândia acabou se tornando líder em pesquisas e ações contra espécies invasoras. Uma solução foi separar as aves raras desse mundo hostil construindo cercas que não permitem a entrada de vilões. Outra saída foi reservar para as aves endêmicas pequenas ilhas exclusivas, expurgando-as de predadores.
Embora há 70 anos cientistas considerassem que o takahe (Porphyrio mantelli) estivesse extinto, a ave ameaçada de extinção conseguiu sobreviver. Cerca de 270 pássaros povoam áreas protegidas e ilhas livres de predadores (Foto: © Haroldo Castro/ÉPOCA)












O takahe é uma história de sucesso de conservação. Até 1948, acreditava-se que o animal estivesse extinto na natureza. Naquele ano, alguns pares foram reencontrados nas montanhas Murchison, em Fiordland. Entretanto, na mesma época, foram introduzidos veados na região, que começaram a competir pelo mesmo alimento tornando-se a ameaça mais séria para o takahe. O Departamento de Conservação da Nova Zelândia conseguiu controlar os veados e, em 2006, existiam 130 aves em Fiordland e outras 70 no resto do país. Hoje, esse número é de aproximadamente 270 pássaros, mas a ave continua ameaçada de extinção.
Mesmo sob uma garoa desagradável, péssima para as câmeras fotográficas, nosso plano é visitar os takahes em uma reserva. Subimos a encosta da colina Burwood e, quando a estrada termina, continuamos a pé pela trilha do morro. Infelizmente, na mesma hora, a chuvinha se transforma em chuva grossa. No topo, é a vez de o vento aparecer e, apesar de estarmos em pleno verão, o frio aperta cada vez mais. Mas já não podemos regressar: ver os takahes tornou-se uma questão de honra.
Com os pés encharcados e gelados alcançamos a cerca que separa os takahes do mundo das espécies invasoras. A aparente vitória traz mais uma surpresa do clima: a chuva grossa se converte agora em uma tempestade de granizo. Tudo fica branco em poucos minutos e a temperatura cai a quase zero grau. Isso em pleno verão! Um dos integrantes do grupo resvala em uma poça d’água e, para não se espatifar no chão molhado, se segura na cerca, esquecendo que está eletrificada. Que choque!
Depois de tantos imprevistos, conseguimos finalmente encontrar os takahes. Os ornitólogos estão deslumbrados. Imagine só, estamos ao lado de seis pássaros de uma espécie da qual existem apenas 270 indivíduos! Os cliques fotográficos fazem com que esqueçamos o frio. As aves de bico vermelho e penas azuis e verdes dão um show.
O kaka (Nestor meridionalis) é um papagaio que possui um bico forte, capaz de romper sementes duras; ele usa seu bico também como uma terceira pata  (Foto: © Haroldo Castro/ÉPOCA)











Pesquisadores acreditam que os papagaios da Nova Zelândia mantiveram suas características mais primitivas, pois esse grupo de aves deixou de ter contato com outros psitacídeos há 82 milhões de anos, quando da separação da Austrália. Tanto o kaka (Nestor meridionalis), o kea (Nestor notabilis) e o kakapo (Strigops habroptila) formam uma família de papagaios que só existe na Nova Zelândia, a Strigopidae.
O kaka e o kea são mais próximos entre si. O kaka vive em planícies e baixas altitudes, enquanto o kea prefere as montanhas e o clima frio da Ilha Sul. Ambos são considerados como ameaçados de extinção.
O kea (Nestor notabilis) é um papagaio que aprecia o clima frio. Bastante curioso, ele interage com seres humanos. Seu nome nativo lembra o som agudo que emite, kiiia  (Foto: © Haroldo Castro/ÉPOCA)











Nosso objetivo agora é encontrar o kakapo, um papagaio noturno que não voa e pode pesar 4 quilos. Poucas pessoas têm a oportunidade de ir à Ilha Codfish, pois a visita é restrita. Lá vivem mais da metade dos kakapos existentes no mundo. Para que a ilha continue livre de pragas, passamos por um minucioso processo de quarentena. Solas de sapatos, bainhas de calças e velcros são inspecionados. Todas as nossas bolsas, caixas e malas são revisadas para que não levemos para Codfish sementes estranhas ou até mesmo um camundongo de contrabando. O voo de helicóptero é realizado em 18 minutos.
Se o granizo me havia atormentado alguns dias atrás, eu estava agora ainda mais preocupado. A chuva continuava durante uma semana, sem parar. As estatísticas não cooperam com o meu entusiasmo: chove na região mais de 200 dias por ano. Codfish, ao largo da Ilha Stewart, está situada na latitude 46º sul, ou seja, na mesma altura da Patagônia. E não existem terras entre a ilha e a Antártica.
Os kakapos estão espalhados por Codfish, em uma área de apenas 1,5 quilômetro quadrado. Os pássaros são conhecidos pela equipe de pesquisa e cada um tem seu nome próprio. Mesmo sob chuva, saímos em busca dos kakapos. Como vamos cruzar riachos e subir trilhas na lama, peço emprestado um par de botas a um dos pesquisadores.
Meia hora mais tarde, me dou conta da burrada, esquecendo uma regra básica de viajante: nunca use sapatos que seus pés não conheçam. Como se não bastasse o esforço da subida e a chatice de estar todo molhado, meus pés me avisam que duas bolhas estão prestes a arrebentar. Meu ego de aventureiro está mais baixo do que a temperatura. Me sinto um viajólogo novato, um aventureiro de primeira viagem. Mas o pior está ainda por vir: toda essa caminhada de cinco horas de sofrimento não serve para nada. Não encontramos nenhum kakapo! Alguém se lembrou que eles são noturnos?
À noite, com os pés enfaixados e de volta a meu velho par de tênis, saímos em busca novamente do papagaio noturno. “Hoje à noite, vamos encontrar Pura, uma fêmea. É garantido que a encontraremos”, diz confiante Paul Jansen, responsável pelo programa de proteção da espécie.
Como se a ave estivesse esperando pelo grupo, não demoramos muito para encontrar Pura ciscando no solo, no lugar exato onde Paul havia previsto. Com plumas suaves, a ave parece mais uma coruja. Ou um pássaro pré-histórico. Jamais um papagaio. Por um momento, concentrado em seguir o kakapo pelo chão da floresta, paro de pensar nos azares do dia e me dou conta de quanto somos privilegiados de estar diante de uma espécie raríssima, criticamente ameaçada de extinção. “Só existem 126 pássaros como este no mundo”, repito em voz baixa.
O kakapo (Strigops habroptila) é um papagaio noturno, pesado e que não voa: um macho pode pesar até quatro quilos. Todos os 126 pássaros existentes são monitorados pelo Departamento de Conservação da Nova Zelândia  (Foto: © Haroldo Castro/ÉPOCA)











Embora a Nova Zelândia conte com uma longa lista de animais já extintos – em particular o moa, uma ave gigante de 3 metros de altura pesando 250 quilos que desapareceu há cinco séculos –, o país se orgulha de ser extremamente dedicado à proteção da biodiversidade. Vencendo as intempéries, conseguimos observar uma boa dúzia de pássaros raros e estranhos. Deixamos a Nova Zelândia com uma lista de aves que mais parece uma salada onomatopeica: kakapo, kaka, kea, kokako, takahe, weka...
O kokako (Callaeas cinerea) era comum nas florestas da Nova Zelândia há um século, mas a destruição dos ecossistemas e a introdução de predadores fez com que a população chegue hoje apenas a 1.000 pares  (Foto: © Haroldo Castro/ÉPOCA)
EM BUSCA DO PAPAGAIO NOTURNO QUE NÃO VOA E OUTRAS AVES RARAS DA NOVA ZELÂNDIA, PAÍS DO PACÍFICO É REFERÊNCIA PARA SALVAR ESPÉCIES ENDÊMICAS DE AVES E DESENVOLVEU SOLUÇÕES PARA MINIMIZAR IMPACTOS DOS ANIMAIS INVASORES.  EM BUSCA DO PAPAGAIO NOTURNO QUE NÃO VOA E OUTRAS AVES RARAS DA NOVA ZELÂNDIA,  PAÍS DO PACÍFICO É REFERÊNCIA PARA SALVAR ESPÉCIES ENDÊMICAS DE AVES E DESENVOLVEU SOLUÇÕES PARA MINIMIZAR IMPACTOS DOS ANIMAIS INVASORES. Reviewed by BLOG Catende No Rastro da Notícia on 23:18:00 Rating: 5

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